segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Entrevista ao Jornal Tribuna do Norte

Não deixem de ler a entrevista do juiz Rosivaldo Toascano JR ao Jornal Tribuna do Norte.

Só para terem ideia do que eu estou sugerindo:

“Eu acho que cada sociedade possui a criminalidade que produz e merece. Essa não é uma frase minha, é do criminalista espanhol Antônio Garcia-Pablo de Molina.
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Na verdade, eu não fiz uma critica ao Ministério Público, ao Promotor A ou B, ou à polícia. Foram dois casos que recebi da Central de Inquéritos do Ministério Público para despachar no mesmo dia. Inclusive narrei no blog. Um deles envolvia um pequeno amasso na grade de um portão de um posto de saúde. O outro era a investigação do homicídio de um bebê, parado há nove meses na referida Central. No primeiro, houve o oferecimento de denúncia por dano qualificado, com movimentação de toda máquina estatal já insuficiente para dar conta dessa demanda que considerei irrisória. De outro lado, estava sendo devolvido após nove meses sem solução, sob a alegação de excesso de trabalho. Absolvi de plano o réu do caso do amasso do portão e devolvi os autos do inquérito à Central de Inquéritos, manifestando minha insatisfação pela paralisação por tantos meses em um caso tão grave. Senti que a lógica estava invertida.
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Tem que haver uma virada do nosso modelo de persecução penal. A criminalidade nunca vai terminar, faz parte da vida do homem em sociedade.
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 No Brasil a cada novo problema que surge, surge um crime junto, e a população acha que isso vai resolver, mas não vai. A demanda fica tão grande que a polícia não consegue dar conta nem de uma parcela mínima desse rol. E termina trabalhando com casos pontuais, sejam os mais simples, que fazem volume estatístico, ou os mais rumorosos, em que há pressão da opinião pública. E com isso termina ocorrendo impunidade em casos mais complexos.
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Se cada um de nós realizar um exame de consciência e fizer seu histórico de atos impensados, verá que tem seu prontuário de pequenas infrações: aquele dia em que bebeu demais e dirigiu, por exemplo. É interessante quando eu dou uma palestra sobre isso, eu pergunto, “quem aqui já bebeu e dirigiu?”

Ouço risos constrangidos das platéias, após uns doze exemplos de infrações mais comuns, desde embriaguez ao volante, passando por sonegação fiscal quando se dispensa nota fiscal para aumentar o desconto ou a receptação quando se compra uma bolsa ou um relógio falsificado, que eufemisticamente chamam de réplica. Existe o mito do legislador racional. Pensamos que há um estudo. Mas pode ter certeza de que 90% dos tipos penais e das penas a eles atribuídas são originários muito mais de pressão social do que de um estudo sério de política criminal. E terminamos criando a política do encarceramento.
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Sintomático é o modo como lidamos com os dependentes químicos que furtam ou roubam para manter o vício. Não é racional simplesmente prender o indivíduo que precisa muito mais de um tratamento do que de uma cela, e a gente não pensa, põe na cadeia e não resolve o problema. Vai sair, continuar dependente e subtraindo. Não sabe o que fazer? Cela nele!
Banalizar o encarceramento é deteriorar o ser humano. E se o indivíduo sair pior do que entrou a própria sociedade sofrerá as consequências. É um ciclo vicioso custoso, desumano e inútil. Estou aplicando a lei de drogas aos crimes contra o patrimônio e determinando que o condenado não só cumpra uma pena, mas, principalmente, passe também por um tratamento contra a dependência química. Temos que combater a causa.
O encarceramento prolongado tem que ser aplicado em situações extremas, como exceção.
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 Agora o que acontece é que a nossa legislação e a população em geral têm a idéia de que somente em se colocando alguém na cadeia a gente o corrige.
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 Agora só para completar, os meios de comunicação transmitem a gente mais insegurança. O medo se tornou quase uma paranóia. Hoje em dia acontece um caso num local distante, mas tomamos como realidade nossa. Uma vez perguntei numa palestra que eu dei na FARN, com duzentas pessoas presentes, quantas foram assaltadas nos últimos dois anos. Apenas duas pessoas tinha sido. Mas a sensação que as pessoas têm é outra. Você hoje está vendo o caso de Elisa Samúdio, ex-namorada do goleiro Bruno; veja o exemplo do caso dos Nardoni. Eu vi na televisão um cara com uma faixa, “Isabella eu te amo”, e o repórter perguntou: “- o senhor a conhecia? - não.” Mas ele atravessou a cidade para estar lá. [...] mas a idéia que me passa, no caso dos Nardoni, é que dificilmente iriam ser absolvidos, independentemente das provas. O jurado, sem perceber, termina formando um prejulgamento em razão do bombardeio de notícias desfavoráveis aos acusados. A sensação que tive foi de que já foram ao júri fadados à condenação. A população vê tanta injustiça no seu dia-a-dia, mas dessa vez a justiça vai existir, e a população terá o gozo, naquele momento, como se ela quisesse se vingar. Tanta coisa ali foi deslocada, é o termo psicanalítico, para os Nardoni que eu acho que dificilmente eles teriam enfrentado um júri verdadeiramente isento.
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[sobre a pena]O discurso é de ressocialização, claro. Bonito. A prática, porém, é de mera exclusão e degeneração, prejudicando a própria sociedade. Não tem cabimento sustentarmos um discurso quando vemos uma total disparidade com a prática.
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 Olha, em 2006 eu era juiz em Mossoró, quando respondi pela Vara de Execução Penal durante três meses. Fui ao presídio Mário Negócio levando uma folha de reclamações em branco para cada um dos duzentos presos. Quando entreguei na primeira cela, um preso falou: “doutor, ninguém sabe escrever aqui”. E nessa brincadeira, dos duzentos presos só cinco sabiam escrever. Essa é uma constatação de como o sistema é injusto. Tive um caso marcante: um rapaz era travesti, estava sendo acusado de ter participado de um roubo, tinha sequelas de uso de silicone industrial, que o deformou e, segundo ele, foi espancado. Teve um AVC em razão disso. Reclamou de racismo. Ainda por cima era soropositivo HIV, mal sabia assinar o nome, e era pobre de Jó. Então quando ele entrou aqui, arrastando-se com um lado do corpo paralisado, foi penoso assistir à cena. Nas alegações finais o defensor público falou: “na escala dos excluídos, ele é um ícone”. Eu pensei na situação dele na cadeia. A própria vida já o puniu demais. Condenei-o, mas não apliquei pena, pois não havia necessidade.
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As pesquisas mostram que mais importante que uma pena elevada é a celeridade na punição. A gente peca em situações nas quais o camarada cometeu infração há não sei quantos anos, pois a lei permite que a pessoa seja punida vinte anos depois. Imagine punir um sujeito vinte anos depois. A gente vai punir outra pessoa, não é mais aquela não.
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Mais importante do que o tamanho das penas é a certeza da punição. Então, o que se deve fazer é enxugar os tipos penais, tirar muitos desses crimes, passá-los para a esfera civil para, isso sim, a polícia ter condições de abordar e investigar as situações mais graves sem demora e com profundidade, o Ministério Público de denunciar rapidamente e o Judiciário de julgar também com celeridade. E dar prioridade ao combate da criminalidade em larga escala, tanto a de arma quanto a de caneta.”

Para ler na íntegra, dá uma espiada no blog que está listado ao lado ou vá no site:
Entrevista ao Jornal Tribuna do Norte

Um comentário:

Alexandre Carlos Aguiar disse...

Muito boas estas argumentações. Gera reflexão e das boas.
A minha visão não é a de um causídico. Sou da área das ciências biológicas e, quando muito, opino com a visão do cidadão comum no campo das leis.
Mas, o que dá pra se perceber, é a quantidade de dicotomias cartesianas e maniqueismos aplicados na sociedade. As pessoas são movidas pelos plugs de tomada: liga/desliga.
Dá no que estamos vendo: comodismo. Preguiça de pensar. Postei algo bem cínico no meu blog, que leva a pensar sobre isso.
Abraços