sexta-feira, 8 de abril de 2011

A voz do povo.

Da satânica tragédia numa escola do Rio de Janeiro, queria falar sobre a irracionalidade. Mas não vou falar do animal que atirou nas crianças, quero falar de outros irracionais. É que os populares que estavam no fervor daquela  manhã aos redores da escola estavam totalmente transtornados, e não podia ser diferente.
Porém, a comoção que tomou conta deles quase causou outra tragédia quando um parente do atirador chegou à escola. A multidão que lá estava tentou o linchamento do parente que compareceu, como se ele também fosse culpado pela chacina.
Tão monstruosa quanto a frieza do assassino, foi a multidão enfurecida. Não quero entrar no mérito sobre os sentimentos daquelas pessoas. Só faço este comentário para reforçar meu entendimento de que uma massa que não pensa no que faz é tão estúpida quanto os mais levianos dos homens.
No primeiro post que fiz, eu disse ter medo daqueles que conseguem convencer uma massa que não tem inteligência para processar as ideias que lhe são postas.
É preciso repensar aquela máxima que a imprensa e alguns setores da sociedade ainda tentam impor ao afirmar que a vontade popular justifica tudo.
A vontade popular tem que, sempre, absolutamente sempre, passar pelo crivo de princípios e discussões abalizadas.
Deixar que a opinião pública seja o parâmetro das decisões da nossa sociedade é deixar que a irracionalidade apaixonada supere a razão e os princípios que devem nortear nossas ações.
Pelo julgamento daqueles que estavam na porta da escola, o parente do assassino teria sua pena de morte.

sábado, 26 de março de 2011

Afastado.

Afastado por razões profissionais, tenho vivido um desafio muito gratificante que um dia relatarei aqui. Mas o que me traz de volta aqui é a decisão do STF desta semana que confirmou a supremacia da Constituição sobre o populismo. Ao confirmar que uma lei, por mais bem intencionada que seja tem que respeitar princípios constitucionais, o STF acena com a garantia da segurança jurídica e a coragem de juízes que não se dobram à pressão popularesca da mídia. Quem puder, não deixe de assistir no youtube os seis votos que foram vencedores. Qualquer dia estou de volta, principalmente se houver uma boa-nova deste naipe novamente.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Inversão de valores

Dias desses estava lendo um reportagem sobre um acidente de carro na Beira Mar que relatava que um jovem de 18 anos ficou ferido e foi levado ao hospital. O acidente ocorreu de madrugada. Até aí nada de novidade. O que me chamou atenção foi um comentário de um leitor que reclamou da falta de policiamento nas madrugadas de Florianópolis. Também nada demais. Só que para meu espanto a reclamação dele foi no sentido de que se houvesse maior policiamento "um pai não teria que ir buscar seu filho ferido num hospital, mas no máximo numa delegacia..." Acreditem! O camarada tirou toda a responsabilidade de cima dos pais e jogou para cima da Polícia. Ah, se a moda pega...

Deus nos livre...

*Deus nos livre de um Brasil evangélico*

Ricardo Gondim

Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que
outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para
espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor
Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum
motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever
sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem
subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de
que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se
converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente
evangélico.

Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro
ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo
conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que
haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para
“ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar "crente", com a cara dos
evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de
como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um
puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso,
Caetano Veloso, Maria Gadu? Não gosto de pensar no destino de poesias
sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que
prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios
tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou
certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e
perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos,
carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os
chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que
se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria
o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina,
biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e
Derridá nunca teria uma tradução para o português.

Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como
desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.

Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo,
o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos
seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o
racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?

Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu;
basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias
e Gabinetes para saber que isso aconteceria.

Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já
que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de
cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o
preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os
ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.

Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar:
Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida,
brega, chata, horrorosa, irritante.

Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do
Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a
qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.

Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a
cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes,
moralista.

O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os
costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião
adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém
tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do
escravo.

Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto,
forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a
costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar
meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior
incentivador.

Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.


*Soli Deo Gloria*
7-02-11

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Ganhei coragem - por Rubem Alves

Ganhei coragem

“Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece“, observou Nietzsche. É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo. Albert Camus, ledor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora quando a coragem chega: “Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos“. Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem. Vou dizer aquilo sobre que me calei: “O povo unido jamais será vencido“: é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o “povo“ tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo... Não sei se foi bom negócio: o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de televisão que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos. Na Bíblia o povo e Deus andam sempre em direções opostas. Bastou que Moisés, líder, se distraísse, na montanha, para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os 10 mandamentos. E há estória do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras idéias. Amava a prostituição. Pulava de amante a amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou... Passado muito tempo Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos... E que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: “Agora você será minha para sempre...“ Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus. Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta. Mas sabia que ela não era confiável. O povo sempre preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhes contavam mentiras. As mentiras são doces. A verdade é amarga. Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos o circo era os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos. Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro O homem moral e a sociedade imoral observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se “responsáveis“ por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo, tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival. Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo. Meu amigo Lisâneas Maciel, no meio de uma campanha eleitoral, me dizia que estava difícil porque o outro candidato a deputado comprava os votos do povo por franguinhos da Sadia. E a democracia se faz com os votos do povo... Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições – e a democracia - são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham. Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus Cristo foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a Revolução Cultural na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar. O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O mais famoso dos automóveis foi criado pelo governo alemão para o povo: o VolkswagenVolk, em alemão, quer dizer “povo“...

O povo unido jamais será vencido! Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos... Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio, não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol (tive a desgraça de viajar por duas vezes, de avião, com um time de futebol...). Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e engolir sapos e a brincar de “boca-de-forno“, à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: “Caminhando e cantando e seguindo a canção...“ Isso é tarefa para os artistas e educadores: O povo que amo não é uma realidade. É uma esperança.

(Folha de S. Paulo, 05/05/2002)


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Samba Lamento



Ouça!  e ganhe 3 min. e 41 seg. de sua vida


Samba lamento
.
Quando o Rio chora de tristeza,
Lágrima no rosto de Teresa
Pedra e lama derramadas pela imensidão
Fazem abafar até o som do violão.
Sofrimento imenso e absurdo
Inundando as ruas de Friburgo.
Grito de socorro que atravessa a escuridão
Desce com o morro sem qualquer explicação
.
Meu samba é só lamento,
Lama e suor, sentimento
Pelo que sofre escondido
A prece vai ao vento
Feito canção, pensamento
Só um desejo de abrigo
.
Choro com o Rio de Janeiro
Lágrima no rosto de Dom Pedro
Quando um pai aflito estendeu a sua mão
Para abraçar só o vazio da solidão
Ouço o soluço do Caleme
Onde o morro morre e a terra geme
Pobre mãe que olha da janela a agitação
Invadir assim o seu pequeno coração
.
Criciúma, 16 janeiro 2011.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Nosso rol secreto de arrependimentos

Copiei e colei:


*Não conheço pessoalmente o juiz Rosivaldo Toscano Junior, mas seu blog está listado aí ao lado.


"Estava numa comarca do interior, no início de carreira. Deparei-me com o caso de um acusado que, juntamente com um desconhecido, ingressou numa padaria, anunciou um assalto, levou o dinheiro do caixa e, durante a fuga, tomou a moto de uma mulher, fugindo em disparada. A motocicleta foi largada um quilômetro depois. 
A tese do Ministério Público era de tinha havido dois roubos – o da padaria e o da moto, o chamado concurso material de crimes. A tese da defesa era de crime continuado., em que se condena por um só crime, com um pequeno aumento pelo segundo.
Quando fui fazer a sentença, veio à cabeça uma dúvida não aventada pelas partes: se a moto foi subtraída com a intenção de apenas garantir a fuga, já que ela foi encontrada intacta e devolvida logo depois, seria justo condená-lo por isso? Não seria essa segunda pretensa subtração caso de post factum impunível e que não foi levantada pela defesa em razão do despreparo técnico do defensor dativo? Ou seria arrependimento eficaz?
Ainda inexperiente e inseguro, 
faltou coragem para rechaçar a pretensão do Ministério Público naquele momento, pois temia um possível apelo e a reforma da sentença pelo tribunal, que tinha uma linha muito dura nesses casos. Aí se deu meu erro: fui me aconselhar sobre a existência do post factum impunível logo com quem? Com o amigo e combativo promotor de justiça, que também chamamos de Parquet. Obviamente, como era parte na causa ele reiterou sua tese e procurou rechaçar as teses de crime continuado e de post factum impunível. Destacou que o acusado era  reincidente e que também respondia por um furto cujo interrogatório já estava aprazado.  
Informalmente, e sem perceber, aquele diálogo com o Parquet  terminou sendo mais importante para a  formação de um juízo sobre o destino da causa do que a leitura fria das razões das partes.
Um juiz deve perder tudo, menos a isenção. Por dar tratamento privilegiado ao Parquet em relação à defesa, foi exatamente isso que me aconteceu naquela tarde. Resultado: condenei o réu duas horas depois, amparando na íntegra a tese do MP de dois roubos qualificados, a uma pena de uns treze anos de reclusão.
O inconsciente, contudo, não me absolveu. 
Algo estava fora do lugar. Procurei, no início, racionalizar e justificar que aquele homem merecia a pena maior porque era degenerado. Mas depois passei a sentir um certo desconforto ao pensar no caso nos dias que se seguiram à assinatura da sentença. Ele foi crescendo. Até esperei um recurso da defesa, mas ela silenciou. Houve o trânsito em julgado e, assim, a decisão se tornou imutável. Não havia mais o que fazer. Logo depois me arrependi conscientemente da decisão. A angústia era sintoma de que havia cometido um grave erro: transigido com as minha próprias convicções. Senti a angústia em silêncio, na solidão da toga.
Dias depois veio o interrogatório do acusado no segundo processo que o envolvia. Era um furto cometido por ele na mesma época. Confessou tudo. Encerrada a audiência, ele pediu humildemente para falar comigo e disse, com olhos rasos d’água, exatamente o que eu não queria ouvir:
- Doutor, o senhor cometeu uma grande injustiça comigo naquele outro processo. O senhor me condenou por dois roubos, mas só peguei a moto para fugir! Eu depois a larguei com a chave na ignição.

Poderia ter me escondido por trás de uma resposta fria e ratificadora da decisão já tomada. Até me veio isso. Poderia simplesmente repetir os fundamentos do parquet. Mas não seria honesto com ele. Foi duro dizer, mas respondi:
- Você tem razão. Eu errei. Na época não avaliei bem. Analisando melhor hoje, não o condenaria pelo roubo da moto. E o pior é que não há nada a fazer em relação a esse caso. Já até estudei uma revisão criminal. Seria uma espécie de reavaliação do seu caso. Mas nem isso cabe porque embora concorde com você hoje, a tese do Promotor está juridicamente embasada e só caberia uma revisão se fosse uma coisa absurda.
Eu sabia que quando respondesse à primeira pergunta, seria fatalmente feita uma segunda. E já sabia até seu teor: 
- Dá pra dar um jeito em relação a essa acusação de agora? Sei que vou ser condenado de novo.
- Saiba que se fosse possível, o faria, mas infelizmente não é possível compensar as penas. Cada caso é um caso. Saiba também que irei carregar comigo essa culpa.
 O leigo não percebe, mas a função de julgar é, muitas vezes, indigna. Um ser repleto de imperfeições julgando o outro... 
Foi duro, na posição de juiz, admitir o erro para o próprio acusado, mas acho que ele merecia essa consideração. Foi uma medida de respeito à sua individualidade. E essa abertura para com o outro me permitiu tirar uma lição a partir desse caso: o juiz deve sempre dar paridade de armas às partes. 
Acho que essa experiência também me fez um juiz muito mais reflexivo, isento e atencioso com as partes e com as causas, respeitando as regras do jogo. A isonomia de tratamento das partes e a cautela para evitar prejulgamentos são as bases que que alicerçam uma decisão justa.
Agindo assim, diminuí, acredito, a probabilidade de novos erros. Mas não há como evitá-los de maneira absoluta: os tropeços fazem parte até mesmo das melhores trajetórias de vida. Saibam:  somente os juízes absolutamente inexperientes não tem seu rol secreto de arrependimentos. E para alguns, inconfessáveis até para si próprios. 
É como digo na chamada do blog:


'Por trás da magnificência de uma toga há, na essência, sempre, um homem, igual a qualquer outro, repleto de anseios, angústias, esperanças e sonhos.' "